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Eis uma bela história, oferecida pelo ROLANDO,
do http://entremares.blogs.sapo.pt,
como presente de aniversário de casamento. ADOREI o gesto ternurento! Obrigada, Rolando!
"Algures, num campo verde, no primeiro dia da primavera, dois malmequeres conversam entre si.
Ele é um malmequer amarelo, bronzeado e bem disposto – ela, em contrapartida, uma malmequer branca, de longas pétalas brilhantes.
Ele – Posso sentar-me aqui neste canto ?
Ela – O campo é tão grande…
Ele – É verdade… mas não te importas, pois não ?
Ela – Estou disfrutando de uma manhã de silêncio. Se não o interromperes…
Ele – Serei uma pedra...
Ele – É um silêncio gostoso, não é ?
Ela - … era…
Ele – Desculpa, não resisti…
Ela – Já era previsível.
Ele – Essa agora… porque dizes isso ?
Ela – Porque eu sou uma malmequer branca…
Ele – Só por isso ?
Ela - … e por tu seres um malmequer amarelo…
Ele - …
Ela – Vocês, os malmequeres amarelos… não conseguem resistir, pois não ?
Ele – Só pretendo um pouco de companhia… estou farto de falar sozinho…
Ela – Costumas falar sozinho ?
Ele – Por vezes, falo… tu nunca experimentaste ?
Ela – Claro que sim… mas não tenho o hábito…
Ele – É fácil para ti, dizeres isso…
Ela – Não percebo porquê… sou igual a ti…
Ele – Igual ? nem por sombras… tu és uma malmequer branca… sobressais em qualquer campo…
Ela – Conheço já esse argumento de cor e salteado… que falta de criatividade…
Ele - …
Ela – Vocês… os malmequeres amarelos… responde-me lá a uma questão…
Ele – Sim ?
Ela – Porque motivo te dirigiste a mim ? O verdadeiro motivo ?
Ele – Bem…
Ela – Não quero uma resposta do tipo “ vamos cruzar as pétalas “… quero é tentar perceber o que te seduz…
Ele – É complicado de explicar…
Ela – Essa é a resposta mais fácil. Tenta outra…
Ele – Muito bem, deixa-me pensar…
Ela – Pensas muito… aliás, pensas demasiado…
Ele – Achas mesmo ?
Ela – Acho, não. Tenho mesmo a certeza. Suponho que fazes a vida mais complicada do que ela realmente é…
Ele – Sim, suponho que sim… mas sabes, acho que o facto de seres bela ajuda a todo esse optimismo…
Ela – Claro que não. Então só os bonitos é que podem ser optimistas, é isso ?
Ele – Pelo menos, ajuda muito…
Ela – Isso pensas tu… e aliás, eu não me considero bela…
Ele – Isso é normal, é a modéstia a falar…
Ela – Não, não era isso que eu queria dizer… eu não me acho bela… mas sinto que sou uma sedutora…
Ele – Não é a mesma coisa ?
Ela – Não.
Ele – Eu julgava ser a mesma coisa. Todas as malmequeres brancas são sedutoras, então…
Ela – Não, não são… são belas. A sedução não tem nada a ver com a beleza…
Ele - ?
Ela – Pois… estás surpreendido ?
Ele – Verdadeiramente… estou. Não faz muito sentido…
Ela – A sedução é como o vento… pode tocar-te as pétalas e tu nem o consegues ver, só sabes que ele passou por ti…
Ele – Mas tu consegues sentir o vento, é uma coisa física…
Ela – Pois é… e a sedução também. Sabes… vou contar-te um pequeno segredo.
Ele - …
Ela – Consegues imaginar porque permiti que parasses aqui, ao pé de mim, interrompendo o meu precioso silêncio ?
Ele - … Por simpatia, talvez…
Ela – Não.
Ele - … boa educação, então…
Ela – Muito menos… foi só por tu seres um sedutor…
Ele – Pois claro… e agora troças de mim, a que motivo ?
Ela – Não estou troçando de ti… tu és um sedutor…
Ele – Tu já olhaste bem para mim ?
Ela – Já, claro que já olhei…
Ele – E vais dizer-me que não encontraste nada de estranho ?
Ela – De estranho ? … Não, nada…
Ele – Nada de anormal ?
Ela – Anormal ? Claro que não…
Ele – Olha… por favor, olha bem para mim…
Ele - Já contaste as minhas pétalas ?
Ela – Já, porquê ?
Ele - … e não reparaste … naqueles dois espaços… sem nada ?
Ela – Reparei.
Ele – Aconteceu-me há uns tempos atrás… um garoto que ao passar, me arrancou duas pétalas… fiquei destroçado…
Ela – Compreendo…
Ele – Sinto-me um pouco... diferente... inferior até. Portanto não me sinto nada sedutor...
Ela – Acho que não estás a ver bem a situação...
Ele - ... até já me isolei, já me afastei de todos, só por ser...
Ela - ...
Ele - ... sempre me considerei diferente, e ainda por cima, depois daquilo...
Ela - ...
Ele - ... desculpa... acho que comecei um monólogo...
Ela – Começaste... e estás a ser tonto. Já olhaste para mim ?
Ele – Se reparei em ti ? Oh... como é possível não olhar ? Se tu és...
Ela – Pára. Nem me estás a ouvir... eu perguntei se já olhaste bem para mim...
Ele - ...
Ela – E então ?
Ele - ... Absolutamente ... adorável, é o mínimo que me ocorre...
Ela – Então olha com mais atenção, por favor...
Ele - ...
Ela – Já reparaste ?
Ele – Estou olhando...
Ela – E não reparaste em nada de estranho, também?
Ele - ...
Ela – Nada, mesmo ?
Ele – Não.... mesmo nada. Aos meus olhos... és perfeita...
Ela sorriu, daquela forma estranha que caracteriza as malmequeres brancas, quando sorriem.
Ela - ... Faltam-me muitas pétalas...
Ele – Faltam ? Não tinha reparado...
Ela – Faltam, sim... faltam-me quatro pétalas... também eu tive um percalço, um pássaro mais esfomeado que me deixou neste estado...
Ele - ... sim... com efeito... agora que falas disso...
Ela – Não tinhas reparado ?
Ele - ... Asseguro-te que ... não, tenho a certeza que é aprimeira vez que reparo nisso... como é que eu não vi...
Ela - ...
Ele - ... Porque sorris ?
Ela - ... Porque pela primeira vez, estás a ser ... verdadeiramente sedutor...
Ele - ... acredita... não reparara ...
Ela - Eu sei, eu sei... mas já reparaste agora... que eu ainda sou mais imperfeita do que tu ?
Ele - ... Mas tu és bela...
Ela - Bela, eu ? Sem quatro pétalas ? Só aos teus olhos...e porque eu te seduzi...
( Tentei que fosse assim uma espécie de presente de aniversário para vocês os dois )"